17.10.05

Pé de vento

Num pé, no outro.
Pulando? Talvez.
Mas até que não me espanta essa voluptuosidade das corridas cansadas e dos trocas.
Sim, trocas. Ou você acha que os passos vêm assim, impunimente?
Passos podem ser rápidos ou lentos. Mas, antes de tudo, são caminhadas.
Poderíamos dizer que caminhada é o coletivo de passo. Assim como passarada é o coletivo de pássaro.
E o coletivo de vida poderia ser troca.

E se não gostar não arranca a etiqueta.

8.8.05

Sobre a pressa.

Numa semana cabem sete dias.
Numa semana também cabem algumas horas. Mais de cem.
E os minutos, então... nem se fala.
Numa semana cabe todo esse raciocínio numérico que habita nossas mentes indóceis.
E cabe a possibilidade de contagem regressiva.
Alguns esperam o sol do dia que não é aproveitado dentro da sala do trabalho.
Outros contam os dias pra ver o pai que mora em outra casa. E que não mora na semana. Mas sim, fora dela.
Alguns ainda perdem a conta de quantas semanas já contaram esperando que a semana se passasse. E não passou.
E continuam a contar:
Numa semana cabe o tempo de um salário, um café, um revezamento de levar as crianças à escola.
Numa semana se gasta um quarto do tempo que se gasta pensando no mês.
Numa semana o tempo.
Numa semana passa.
Numa semana vai.
Em uma semana: cabe toda essa espera que não cabe dentro do corpo e a gente, por alguma razão, faz fugir rapidinho.
Antes que vire abóbora.

27.7.05

De como uma menina amanhece.

Estava aqui, sentada a escrever, e nem percebi que já eram passadas tantas horas.
E então eu desisti de escrever e prestar atenção nas horas que passaram.
Mas como prestar atenção se as horas são, no caso, passadas?
E como manter os olhos abertos se o sono é, no caso, reflexo?
Pois então, é aí que surgem as idéias: no susto que você leva em perceber que o tempo passa mesmo enquanto você dorme.
E a vontade de dormir passa junto com todo aquele tempo que você achava que ainda tinha.
Mas que havia amanhecido.
E tempo lá amanhece?
Depende de quando tempo você durou à noite.

22.7.05

Buraco de Luz

Cabe dentro de uma mulher toda uma vida de desejos. Pode-se transformar o corpo em recipiente de vontades. Cheiros. Fluxos.
Intensos? Talvez.
Mas cabe dentro de uma mulher, antes de tudo, uma recorrente história de si. Um tribunal de pequenas causas que, muitas vezes, se perde do júri.
Esse ser de pequenas sutilezas: frestas.
Um corpo que morre e nasce a cada dia. Ou a cada mês. Ou em cada esquina.
Um corpo que não está, nem é: constrói. Com pancadas, flores e muito choro. Com risos e barulhos excessivos.

Uma mulher: toda essa incompatibilidade interna. Toda essa mania de insatisfação, quase comestível. Mas ainda assim: uma mulher. Cheia de ânsias (de vômito ou não. Muitas vezes, não.) que escorrem do seu além.

E às vezes vaza.

14.7.05

O coelho não é branco.

Então, aqui estamos nessa terra de gente afastada.
Não se correspondem, sequer de longe.
Traiçoeiras e ameaçadoras, as pessoas maravilhosas se escondem atrás das portas curvas.
Do outro lado da ponte existe um povo que, volta e meia, aparece pelas bandas de cá em busca de comida. Ainda não sabemos que tipo de coisa comem daqui. Talvez os vermes.
Há pouca umidade. Atrás da cidade velha repousa uma espécie de lago e é de lá que vem a água que se usa nas casas. Um pouco longe, é verdade, mas parece ser o último sinal de água potável na região.
Um outro fato curioso é a aparência dos edifícios e casas: cobertos por enormes capas de plástico, como se estivessem numa eterna recuperação de fachada. A portaria é a única parte recortada, estritamente para passagem.

Ainda não decidimos por onde começar amanhã.
Provavelmente iniciaremos a pesquisa sobre os olhos.
Informaremos sobre os próximos passos.

Último Informe: antes do relatório ser enviado, batidas ritmadas foram ouvidas. Eram acompanhadas de um forte cheiro de destilados na região do centro de negócios.