23.12.09

Simples

Quando penso no seu nome me vem música.

E nada mais.

11.11.09

Peito


Sei que ele está ali. Sei do seu contorno e da sua vida.
Vejo sua forma no mundo, seu jeito de estar. Sua carne, seu músculo.
Sinto cada pedaço das suas vontades.
Tenho minha noção do seu espaço, de como ele se ajeita em mim.
Quero alimentar, construir, abrigar.
Quero essa casa aberta sempre. Com uma cortina fina e branca, pra essa luz cheia desse sol quente entrar na hora certa.
Cuido para que minha calma esteja perto dele.
Sei dele e ele sabe de mim.
Os que não sabem? Que não me venham.


29.10.09

Sim


Não tenho mais medo do vento.
Ele ontem me chamou e eu fui. Andei com ele por nossos países adormecidos.
Conversamos sobre névoas e cantos.
Ele me explicou que não é com sustos que se constrói uma casa. E me mostrou as vírgulas, tão precisas e delicadas.
O vento mudou meu parágrafo da história e agora escrevo com gosto de romance.

Não me interessa o número de páginas e personagens. Não me interessa que cochilem em algumas partes desinteressantes.
O que vai amarrar meu enredo é essa certeza de uma história vivida no músculo.
Não me interessam as críticas desse meu emaranhado de letras.
Meu livro de amor vai ter sempre gosto de sim.

E meu amigo vento me ajuda a voltar as páginas pra ler de novo e de novo. Como uma vontade de voltar ao mar num dia de praia, estirada ao sol.

17.9.09

Voltando ao ateliê, buscando a criatura.

Toda vez que me olho no espelho te vejo ali: em algum lugar que escapa de mim e, muito provavelmente, de ti também.
Te vejo nos meus olhos, na minha vontade de que existas.
Te invento, te persigo. E não vens. E não estás.
Não sei quem você é e ainda assim moras nos meus sonhos, nas minhas ânsias.
Queria ser livre como és a ponto de não existir. Livre, tão livre, que estás aqui, dentro de mim, e não te acho. Livre, tão livre, que és menino e menina. Forte e fraco. Jovem e antigo. Tortura e prazer.
És a exata quantidade de coisas que não sei ser. Cabes no teu tamanho, que transborda do meu. Cabes no mundo, apesar de mim, que não te sei. Cabes em mim, apesar do mundo, que não te acolhe.

Saio do espelho, deito, sonho. E você lá, em todas as paredes dessa casa pré-desabada que não me abriga em nada, só me desmonta. Essa casa que busquei pra te criar.

E que você toma de mim todos os dias.

8.9.09

Flor

Pétala por pétala meu coração se despedaça num sorriso com jeito de primavera adiantada.

25.8.09

Desassossegos serenos

Há muito tempo atrás elegi o "Livro do Desassossego", do Fernando Pessoa, o meu livro de cabeceira. É realmente um tanto desconcertante você elencar essa quantidade de sentimentos e vontades como preferidos. Precisei de muita coragem para ver o quanto me lambuzo no caos.
Mas, ao mesmo tempo, é bastante nobre e completamente compreensível que eu me identifique com as palavras do escritor português. Quem mais para falar da dor e do amor? Quem mais para dizer, em língua tão rica, o que nos atravessa? Quem mais para, no fim de uma frase, acordar qualquer estômago, qualquer gente?
Acontece que hoje me deparei com mais um desassossego. A mesma língua portuguesa, a mesma metrópole, o mesmo fado. Outra percepção, porém, do que seria nosso limite. Limite que se transforma em além. Pelo menos assim sinto. Mas sou suspeita. É como se minha inquietude fosse minha casa. E longe disso, em paz, não saberia caminhar.
Não sei se acaso ou destino. Mas penso que em português sabemos mais de nós. Essa saudade de ser que só nossa língua sabe dizer. Essa escrita que serve de varanda para nós mesmos. Como se nos avistássemos de fora. E compreendêssemos, sossegados, as borbulhas da alma.
E Saramago, assim, me fez carinho sem saber.
Deixo aqui minha descoberta do dia, de um livro de poemas do autor que, não coincidentemente, chama-se "Provavelmente Alegria":


Na ilha por vezes habitada

Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites, manhãs e madrugadas em que não precisamos de morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente e entra em nós uma grande serenidade, e dizem-se as palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.
José Saramago

20.8.09

Rosas


"O correr da vida embrulha tudo.

A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta.

O que ela quer da gente é coragem."


Guimarães Rosa

16.8.09

Hai Kai


Poesia

Tudo que eu quis ser

E não fui

Um dia

11.8.09

Minha tarde com Leminski

se

nem

for

terra

se

trans

for

mar


Paulo Leminski

Bonança

Delícia aquele sol bem miúdo saindo por trás da nuvem

Depois que tudo era cheio cheio cheio

E vazou

10.8.09

Carta para um amigo desalmado

Rio de Janeiro, 10 de Agosto de 2009.

Meu querido amigo,

Eu queria ter palavras doces pra te dar. Potes de carinho pra te despejar todas as vezes que te vejo.
Mas tenho raiva e sempre um gosto amargo que dura mais tempo do que gostaria quando te comportas assim.
Queria te alcançar e te contar histórias de como vamos ficar bem velhos, ouvindo aqueles shows de rock com nossos outros amigos velhos.
Mas hoje tenho aqui essa velha conta a acertar, essa velha mágoa pra deixar na mesa do bar.
Queria gargalhar até de manhã e te contar dos ofícios, das neuras, das coisas todas que quase sempre transbordam das nossas conversas.
Mas já disse: ando farta desse inábil companheiro que me deixa sempre na beira do rio, sem margem que dê pé.
Adoraria ser a amiga a te elogiar aos ventos. A te propagandear por aí, "esse é dos meus".
Mas insisto: hoje não. Hoje te quero quase morto, não fosse minha extrema habilidade para a covardia.

Espero que você saiba que essas palavras são só pra te perdoar. Que o que eu queria mesmo era festa e champagne.
Espero que você nem as leia. Que te passem, que te distraias e não venhas por aqui, nessas vizinhanças tão inóspitas.
Espero que nunca chegue até você essa minha incapacidade de te perceber. Essa minha incapacidade de te amar inteiro, porque não sei de ti. Te queria como vejo, como creio. E você é tão duro nessa qualidade de ser você. Te garantes tanto e nos perdemos.
Mas tenho fé que essas palavras não chegam a ti. Guardo-as aqui comigo, nessa casa que é minha e transparente.

Mas se vier, não se espante. Entre, sinta-se à vontade.
Ainda sou a mesma que te acolhe há tanto tempo.
Tire os sapatos, pise com cuidado nesse chão de palavrinhas indomadas.
Dê um sorriso, cuide de mim. Me deixe chorar, me faça rir.
Vá embora, mas, antes, fique um pouco.
Quem sabe assim a gente não apaga da minha carne esse talho com teu nome?

No mais, esqueça essa carta.
Que a gente só sofra o suficiente. Que a gente saiba curar esses anos de história mal contada.
E gargalhar no nosso final de livro tão bonito.

Eu te amo, viu?

Mas hoje não.

9.8.09

Enchente

Essas águas que me formam

De onde elas vêm?

Em que maremoto extravagante desaguam?

Em que lago me largam despida?

Eu, tão íntima de meus líquidos, esqueço sempre de não pisar meu chão escorregadio.

Antiderrapante nenhum dá jeito na minha correnteza.

7.8.09

Limite

Além de mim não posso ser ninguém.

Trágico, não?

5.8.09

Agosto

Pra Fabi

Uma noite gelada em Botafogo e a gente pelas ruas desafiando o frio.
É assim mesmo que te vejo: com uma mochila de coragem a teus pés.
É só carregarmos juntas esse peso morno. Transformando o tédio em melodia.
Não quero fazer poesia pra você, não, que não sou capaz. Quero te dizer da vida e de tudo que vejo pra frente.

Quero as cervejas e aquelas horas do dia no sofá, maldizendo o mundo com tanto amor.
Quero desacreditar e lembrar. Quero cinema americano numa noite de domingo.
Quero te fotografar estirada numa grama verde, de biquíni amarelo.
Quero chocolate de aniversário e viagens pra fora, nossos planos. Quero pracinha e quero caos. Quero "John, I'm only dancing".

Não sei bem das respostas, sabe? Acho que elas não existem muito, são tipo fadas.
Prefiro ter essa idéia mistificada de que podemos ter a opção de saber.
Mas no fundo, você sabe, eu não acredito nisso.
Acho que coragem mesmo, pra valer, é olhar assim, no olho da vida, e responder: eu não sei.

Mas, em todo caso, sempre teremos essas noites geladas em Botafogo. E a gente pelas ruas desafiando o frio.

3.8.09

Manhã


Ela abriu os olhos devagar. O corpo doía, a cabeça pesava, o dia gritava.
Ainda tinha alguns minutos para se esticar e conseguir entender aquele acordar.
Ao seu lado o corpo dele dormia pesado, entregue. Era como se ela não estivesse ali e os sonhos o tivessem tomado por inteiro.
Ela olhava aquele corpo. Era estranho e íntimo. Suado e forte.
Até o olhar que ela lançava sobre ele era cuidadoso. Como se, olhando, ela fosse capaz de acordá-lo sem susto. Sem medo. Sem dor.
Colocou sua mão leve sobre suas costas largas. Ele dormia quente. Respirava pesado. Mas parecia sentir aquela mão pousada na curva da sua coluna. Uma mão só, que ficou ali, parada, durante muito tempo. Esperava por qualquer sinal de um abrir de olhos. Qualquer sinal de movimento. A mão parada não sentia nada além daquele sobe e desce de quem dorme profundamente. Ela sorria. Por quanto tempo esteve dormindo? Há quantos dias ele estava ali?
Uma luz pequena entrava pela janela. A mesma luz que, aos poucos, começou a pertubar aquele sono em forma de homem.
Ela conseguia perceber o despertar lento e doloroso daquele corpo cansado. Suas mãos agora passavam pelo seu cabelo, acariciavam aquele excesso de manhã que transbordava da cama.
Deitada ao seu lado ela podia ver os olhos se abrindo demoradamente. Uns olhos pretos que, ainda adormecidos, não estavam preparados para o dia. Uns olhos pretos que, ainda cansados, resistiam. Uns olhos pretos que, por mais que lutassem, acordavam.
Ele olhava para ela. Já não dormia mais e olhava para ela, que sorria ainda. Um sorriso largo, amanhecido.
Deitados na cama eles se olhavam como se nunca tivessem estado ali. Ela aproximou o seu corpo do dele, trazendo pra perto o cheiro da noite passada.
Agora ele também sorria, entendia, sabia. Era passada a hora do sono. Tinham que sair dali, retomar a vida que havia ficado trancada pra fora do quarto. Mas por qual caminho? Com que pernas?
Ela estava bem perto do seu rosto e brincava com a sua boca. Sua língua fazia movimentos de carinho, quase inofensivos. Beijava seu rosto, suas mãos. Sentia a vida ficando líquida no meio das pernas. Não controlava mais seus gestos ofegantes.
Ele continuava sorrindo. Já era evidente aquela vontade dos corpos, aquele amanhecer dos sentidos. Aquele instante parado no tempo, pedindo mais e mais e mais.
Os olhos já não tinham mais sono. Agora se olhavam firmes, eram precisos e delicados.
Se encostavam ainda mais, com medo de que qualquer espaço entre eles fosse demais. Colada nele, ela podia sentir os movimentos que denunciavam o desejo. Eram involuntários e faziam crescer não só o corpo, mas também a pressa.
E assim, nesse vai e vem de olhares, mãos e beijos, eles iam se perdendo naquela cama, dentro daquela manhã.
Ele sentia na ponta dos dedos a umidade do corpo dela, um convite. Ela tremia e segurava suas costas sem medo de puxá-lo pra dentro. Um gemido alto e eles já não estavam mais separados. Juntos, grudados, vencendo os primeiros raios de sol daquele dia que seria tão corrido.
Os olhos, vidrados uns nos outros, acompanhavam cada movimento latente, cada encaixe, cada ponto fraco, cada lugar escondido, cada descoberta. Eram dois na forma de um, amarrados por dentro. O corpo de um navegava dentro do corpo do outro. Fechavam os olhos e sentiam, cada vez mais, as respirações arfantes, os quase gritos que, presos, atiçavam o sim.
E ficaram muito tempo assim. O ritmo subindo e descendo pelos pés, pelas pernas, pelas barrigas, pelos ombros. Um ritmo que acelerava. Ele olhava pra ela. Ela olhava pra ele. Eles se tocavam, se beijavam. Ele conseguia ver o rosto dela se transformar. Com as mãos ao redor da sua cintura, ele puxava forte o corpo dela. Era como se quisesse ocupá-la inteira. Morar ali, naquele espaço quente e molhado. Ela sentia aquele olhar lascivo, aquele foco desconcertante. Ela gemia no ouvido dele, mordia, lambia. Como se dissesse que sim, que era assim, que não parasse. E ele não parava. E ela não parava. E não paravam os dois que, juntos, mergulhavam naquele sentir sem fim, onde nada mais existia, a não ser aquele grito que saía daquela cama e invadia aquela manhã.
Exaustos, eles ainda se olhavam. Não tinham mais pressa de escapar. Era tudo inteiro ali: e de mais ninguém.
Devagar, os ares ofegantes foram devolvendo o lugar dos sorrisos. Os olhares cúmplices se acariciavam de perto. O dia voltava a chamar pra fora.
E dentro do quarto aquele cheiro, aquela cor, aqueles olhos.
Dentro do quarto aquela fala engasgada quando não há o que dizer depois do corpo mostrar tudo.
Ela esticou a mão pra fora da cama, trazendo a calcinha que estava no chão desde a noite passada. Ele sorria. Quase pedindo que não, que a esquecesse jogada. Que continuassem. Mas calava. Sabia da vida e dos tempos gritantes. Sentou-se então na cama, deixando à mostra aquele pedaço das suas costas que ela adorava. Antes de se levantar ela apoiou levemente seus braços nos seus ombros. Se inclinou sobre ele, chegou perto da sua nuca e guardou aquele cheiro dentro da memória olfativa do dia.
Já podia ir embora. Pegou a tollha jogada no chão e planejou o banho e as roupas.
Antes de sair do quarto ainda olhou pra trás. Ele já de calça, mas ainda sem camisa. Os braços, nus, desenhados. As mãos percorriam os discos e escolhiam um.
Ela sorria. Já não temia o dia lá fora. Com os cabelos pretos um pouco embaraçados, ela abria a porta do quarto.
Eles sentiam a corrente de ar entrar. Deviam estar fechados ali há muito tempo, mas não tinham certeza.
Com a porta do quarto aberta, ela ainda voltou num rápido movimento e segurou seu rosto entre as mãos.
Foi um beijo longo e corajoso, que saía daquela cama, no meio daquela manhã, rasgando aquele dia.
E a música já tocava enquanto, por fim, ela abandonava aquele quarto: the sea was red and the sky was grey, wondered how tomorrow could ever follow today.

31.7.09

May day

Hoje acordei brincando de dezembro. Me cansei dos ônibus, da chuva, do frio.

Me senti sexy e poderosa do alto do meu mau-humor. Gritei com umas vinte e cinco pessoas diferentes. Uma delas não merecia. E gritei mais alto por isso.

Andei rápido, perdi a hora, esqueci quase uma vida em casa.

Me lembrei de tudo, apaguei metade. E tem sido assim nesse meio de ano tão covarde.

Meu período fértil, minhas roupas fora do armário, minhas fotografias sem photoshop, meus escritos em guardanapo, meu pai sem visita, minhas festas adiadas, minhas olheiras, meus sonhos interrompidos, minha tosse.

Tudo engasgado, engavetado, sujo, amassado.

Me cansei de ser essa que adia minha alegria.

Não sei como eu sobrevivo a mim.

30.7.09

Anfitriã

Esteve aqui, me leu por dentro, me invadiu as frases.
Não convidei, não chamei.
E agora já me sabe assim:
nua.
Logo eu, anfitriã de tantos vícios, dona de tantos cômodos públicos.
Ainda me surpreendo com uma visita para o chá.
Não te ofereço biscoitos, mas te mostro meu mundo em carne viva.
E, se gostar dele, volte sempre.

24.7.09

Sexta-feira

É como se hoje não bastasse em mim.

A quinta-feira me transborda.

E anoiteço sábado.

23.7.09

Quinta-feira

Hoje acordei com cinquenta e sete novos sorrisos.

E são todos seus.

14.7.09

Não se afobe, não, que nada é pra já.

Do alto do prédio eu te enxergo de costas.
Você é alto. Você sorri. Você sorri muito, muitas vezes. Como se o seu sorriso fosse sua forma de conversar com o mundo.
Você quase não fala, e quando fala o seu tom de voz é único. Quase uma cantiga, assim, no meu ouvido.
Seus movimentos são calmos. Seu corpo é preciso, desenhado. Ele tem a altura exata que me toma quando estou distraída.
E você me olha no olho. Num lugar que a gente não conhece, nem tem pressa de conhecer.
Eu fico te olhando de longe, do alto desse prédio que, hoje, me impede de chegar mais perto.
Eu observo seu caminhar, seu jeito de sentar, de olhar pra cima e pra baixo, como quem procura outro mundo. Observo seu ritmo calmo, contrário ao meu.
Te olho daqui enquanto meu corpo ferve nessa espera curiosa. Espera que eu escolhi a dedo e guardei no bolso.
Não sei quem você é. De onde vem. Eu não sei se você fala dormindo, se come carne, se gosta de vinho, se chora vendo filmes de amor, se quer filhos.
Estou do outro lado da vida que te conhece. E não quero mais que isso.
Te quero assim: logo antes de chegar. Quero sentir esse espaço que existe entre nós. Essa bolha com gosto de frio na barriga. Esse "eu" e "você", tão estranhos.
Quero sentir o instante logo antes da queda. Logo antes que eu me lance.
Logo antes que eu me jogue do alto desse prédio de onde te enxergo longe.
E aí vou. De cabeça, velocidade rápida, escuridão clara, coração na boca: eu, logo antes de ser sua.

18.6.09

Maré

Todos esses sais dos dias corridos. Essas juras, essas promessas que os minutos sacanas fazem dentro da gente. Esse jeito cego de arriscar tudo. De jogar tudo. De dormir no precipício.
O frio na barriga de olhar pra frente e ver a cortina do palco fechada. Mas ainda assim o desejo dos aplausos. E o pavor das vaias.
Essa vontade que não termina. E que não se sabe de que, de quem, de quando.
Essas manias que a vida tem de atar e desatar nós apertados quando o tempo engasga.
Esse truque mudo que a gente tem de não desistir nunca.
Se te parece pouco o que vês em volta, olha de novo.
De algum canto desse buraco escuro pula um rio, um mar. Alguma água que te leve dessa terra, nada mãe.
Confia no teu redor que, se não parece muito amigo, te engana pra te alcançar.
Confia nas marés, nas luas, nos sinais. Confia em tudo que não se sabe explicar.
Porque é daí que vem tudo que a gente inventa e costura com mãos de sonho.