Há muito tempo atrás elegi o "Livro do Desassossego", do Fernando Pessoa, o meu livro de cabeceira. É realmente um tanto desconcertante você elencar essa quantidade de sentimentos e vontades como preferidos. Precisei de muita coragem para ver o quanto me lambuzo no caos.
Mas, ao mesmo tempo, é bastante nobre e completamente compreensível que eu me identifique com as palavras do escritor português. Quem mais para falar da dor e do amor? Quem mais para dizer, em língua tão rica, o que nos atravessa? Quem mais para, no fim de uma frase, acordar qualquer estômago, qualquer gente?
Mas, ao mesmo tempo, é bastante nobre e completamente compreensível que eu me identifique com as palavras do escritor português. Quem mais para falar da dor e do amor? Quem mais para dizer, em língua tão rica, o que nos atravessa? Quem mais para, no fim de uma frase, acordar qualquer estômago, qualquer gente?
Acontece que hoje me deparei com mais um desassossego. A mesma língua portuguesa, a mesma metrópole, o mesmo fado. Outra percepção, porém, do que seria nosso limite. Limite que se transforma em além. Pelo menos assim sinto. Mas sou suspeita. É como se minha inquietude fosse minha casa. E longe disso, em paz, não saberia caminhar.
Não sei se acaso ou destino. Mas penso que em português sabemos mais de nós. Essa saudade de ser que só nossa língua sabe dizer. Essa escrita que serve de varanda para nós mesmos. Como se nos avistássemos de fora. E compreendêssemos, sossegados, as borbulhas da alma.
Não sei se acaso ou destino. Mas penso que em português sabemos mais de nós. Essa saudade de ser que só nossa língua sabe dizer. Essa escrita que serve de varanda para nós mesmos. Como se nos avistássemos de fora. E compreendêssemos, sossegados, as borbulhas da alma.
E Saramago, assim, me fez carinho sem saber.
Deixo aqui minha descoberta do dia, de um livro de poemas do autor que, não coincidentemente, chama-se "Provavelmente Alegria":
Na ilha por vezes habitada
Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites, manhãs e madrugadas em que não precisamos de morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente e entra em nós uma grande serenidade, e dizem-se as palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.
Na ilha por vezes habitada
Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites, manhãs e madrugadas em que não precisamos de morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente e entra em nós uma grande serenidade, e dizem-se as palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.
José Saramago
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