3.8.09

Manhã


Ela abriu os olhos devagar. O corpo doía, a cabeça pesava, o dia gritava.
Ainda tinha alguns minutos para se esticar e conseguir entender aquele acordar.
Ao seu lado o corpo dele dormia pesado, entregue. Era como se ela não estivesse ali e os sonhos o tivessem tomado por inteiro.
Ela olhava aquele corpo. Era estranho e íntimo. Suado e forte.
Até o olhar que ela lançava sobre ele era cuidadoso. Como se, olhando, ela fosse capaz de acordá-lo sem susto. Sem medo. Sem dor.
Colocou sua mão leve sobre suas costas largas. Ele dormia quente. Respirava pesado. Mas parecia sentir aquela mão pousada na curva da sua coluna. Uma mão só, que ficou ali, parada, durante muito tempo. Esperava por qualquer sinal de um abrir de olhos. Qualquer sinal de movimento. A mão parada não sentia nada além daquele sobe e desce de quem dorme profundamente. Ela sorria. Por quanto tempo esteve dormindo? Há quantos dias ele estava ali?
Uma luz pequena entrava pela janela. A mesma luz que, aos poucos, começou a pertubar aquele sono em forma de homem.
Ela conseguia perceber o despertar lento e doloroso daquele corpo cansado. Suas mãos agora passavam pelo seu cabelo, acariciavam aquele excesso de manhã que transbordava da cama.
Deitada ao seu lado ela podia ver os olhos se abrindo demoradamente. Uns olhos pretos que, ainda adormecidos, não estavam preparados para o dia. Uns olhos pretos que, ainda cansados, resistiam. Uns olhos pretos que, por mais que lutassem, acordavam.
Ele olhava para ela. Já não dormia mais e olhava para ela, que sorria ainda. Um sorriso largo, amanhecido.
Deitados na cama eles se olhavam como se nunca tivessem estado ali. Ela aproximou o seu corpo do dele, trazendo pra perto o cheiro da noite passada.
Agora ele também sorria, entendia, sabia. Era passada a hora do sono. Tinham que sair dali, retomar a vida que havia ficado trancada pra fora do quarto. Mas por qual caminho? Com que pernas?
Ela estava bem perto do seu rosto e brincava com a sua boca. Sua língua fazia movimentos de carinho, quase inofensivos. Beijava seu rosto, suas mãos. Sentia a vida ficando líquida no meio das pernas. Não controlava mais seus gestos ofegantes.
Ele continuava sorrindo. Já era evidente aquela vontade dos corpos, aquele amanhecer dos sentidos. Aquele instante parado no tempo, pedindo mais e mais e mais.
Os olhos já não tinham mais sono. Agora se olhavam firmes, eram precisos e delicados.
Se encostavam ainda mais, com medo de que qualquer espaço entre eles fosse demais. Colada nele, ela podia sentir os movimentos que denunciavam o desejo. Eram involuntários e faziam crescer não só o corpo, mas também a pressa.
E assim, nesse vai e vem de olhares, mãos e beijos, eles iam se perdendo naquela cama, dentro daquela manhã.
Ele sentia na ponta dos dedos a umidade do corpo dela, um convite. Ela tremia e segurava suas costas sem medo de puxá-lo pra dentro. Um gemido alto e eles já não estavam mais separados. Juntos, grudados, vencendo os primeiros raios de sol daquele dia que seria tão corrido.
Os olhos, vidrados uns nos outros, acompanhavam cada movimento latente, cada encaixe, cada ponto fraco, cada lugar escondido, cada descoberta. Eram dois na forma de um, amarrados por dentro. O corpo de um navegava dentro do corpo do outro. Fechavam os olhos e sentiam, cada vez mais, as respirações arfantes, os quase gritos que, presos, atiçavam o sim.
E ficaram muito tempo assim. O ritmo subindo e descendo pelos pés, pelas pernas, pelas barrigas, pelos ombros. Um ritmo que acelerava. Ele olhava pra ela. Ela olhava pra ele. Eles se tocavam, se beijavam. Ele conseguia ver o rosto dela se transformar. Com as mãos ao redor da sua cintura, ele puxava forte o corpo dela. Era como se quisesse ocupá-la inteira. Morar ali, naquele espaço quente e molhado. Ela sentia aquele olhar lascivo, aquele foco desconcertante. Ela gemia no ouvido dele, mordia, lambia. Como se dissesse que sim, que era assim, que não parasse. E ele não parava. E ela não parava. E não paravam os dois que, juntos, mergulhavam naquele sentir sem fim, onde nada mais existia, a não ser aquele grito que saía daquela cama e invadia aquela manhã.
Exaustos, eles ainda se olhavam. Não tinham mais pressa de escapar. Era tudo inteiro ali: e de mais ninguém.
Devagar, os ares ofegantes foram devolvendo o lugar dos sorrisos. Os olhares cúmplices se acariciavam de perto. O dia voltava a chamar pra fora.
E dentro do quarto aquele cheiro, aquela cor, aqueles olhos.
Dentro do quarto aquela fala engasgada quando não há o que dizer depois do corpo mostrar tudo.
Ela esticou a mão pra fora da cama, trazendo a calcinha que estava no chão desde a noite passada. Ele sorria. Quase pedindo que não, que a esquecesse jogada. Que continuassem. Mas calava. Sabia da vida e dos tempos gritantes. Sentou-se então na cama, deixando à mostra aquele pedaço das suas costas que ela adorava. Antes de se levantar ela apoiou levemente seus braços nos seus ombros. Se inclinou sobre ele, chegou perto da sua nuca e guardou aquele cheiro dentro da memória olfativa do dia.
Já podia ir embora. Pegou a tollha jogada no chão e planejou o banho e as roupas.
Antes de sair do quarto ainda olhou pra trás. Ele já de calça, mas ainda sem camisa. Os braços, nus, desenhados. As mãos percorriam os discos e escolhiam um.
Ela sorria. Já não temia o dia lá fora. Com os cabelos pretos um pouco embaraçados, ela abria a porta do quarto.
Eles sentiam a corrente de ar entrar. Deviam estar fechados ali há muito tempo, mas não tinham certeza.
Com a porta do quarto aberta, ela ainda voltou num rápido movimento e segurou seu rosto entre as mãos.
Foi um beijo longo e corajoso, que saía daquela cama, no meio daquela manhã, rasgando aquele dia.
E a música já tocava enquanto, por fim, ela abandonava aquele quarto: the sea was red and the sky was grey, wondered how tomorrow could ever follow today.

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